Não que ele houvesse profetizado
o limite de palavras, ou perseguisse qualquer estrutura reduzida, e muito menos
que tenha sido um amante da síntese. Em seu livro Nietzsche como Obra de Arte,
Rosa Dias discute como o estilo fragmentado do filósofo é menos uma vaidade de
estilo, e mais uma afirmação de seus próprios conceitos já influenciando a
própria forma do texto. Para ele, os tradicionais textos sistemáticos, com sua
estrutura maciça e amarrada, engessam a reflexão livre, aprisionam os sentidos,
e satisfazem apenas aos que cultuam o conhecimento acumulado.
Os amantes das palavras, que as
saboreiam lentamente entre uma reflexão e outra, prefeririam a naturalidade e a
força dos aforismas curtos. O caráter afirmativo e leve por trás de conceitos
nietzschianos como "vontade de potência" já ficam claros na própria
fragmentação do aforisma – na falta de continuidade, nos espaços em branco, tão
caros à poesia e a música.
Em nosso século XXI, o pensamento
de Nietzsche continuamente se revela atual, pungente, e sua mensagem ainda
reverbera, dialoga profundamente com nosso contexto. Se levamos em consideração
a lógica dos aforismas, isso ocorre não só no conteúdo, mas na forma
(infelizmente, essa síntese ensaística favorece uma simplificação e uma
deturpação do que é dito – e, nisso, o alemão é craque, visto que o nazismo foi
um dos movimentos que mais se apropriou indevidamente de suas idéias).
Rosa Dias alerta, logo no início
de seu texto, sobre como a escritura aforística "seduz os espíritos
superficiais" (pág. 23), apesar do aspecto ainda mais complexo e
aprofundado que tal escrita evoca. Um texto aforístico como o de Nietzsche
costuma ser muito mais provocador que boa parte de ensaios sistemáticos e
objetivos. Seus silêncios e vazios deixam lacunas que só podem ser preenchidas
pelo leitor, favorecendo assim um rico aspecto interativo (outra característica
bem afinada com nossa era virtual).
Os dois tipos de leitores que
Nietzsche queria evitar ao escrever por aforismas são arquétipos bem
reconhecíveis em nossas redes sociais contemporâneas. Rosa diz que, para o
filósofo, "os piores leitores são, em primeiro lugar, aqueles 'que agem
como soldados saqueadores: retiram alguma coisa de que podem necessitar, sujam
e desarranjam o resto e difamam todo o conjunto', em segundo lugar, aqueles
espíritos vulgares que tem um hábito repugnante de, na palavra mais profunda e
mais rica, não ver senão a banalidade de sua própria opinião" (pág. 23). Qualquer
semelhança com nossos feiciboquis não é só mera coincidência, mas é prova de
que nosso senso comum sobre a civilidade de nossa sociedade é bem discutível.
Mas, diferente do bigodudo, me
recuso a ser tão pessimista. Devemos nos lembrar que em meio aos BBBs e
formadores de "xoxas doxas" que angariam tantos seguidores no
twitter, encontramos diversas vozes ricas e estimulantes, que utilizam a
limitação de espaço e a fragmentação da rede de modo positivo. Diversos poetas
e comunicadores mais espertos já sacaram isso. Se eles não apresentam (ainda)
uma lista de seguidores que ultrapasse os quatro dígitos, a culpa é menos da
força de seus escritos, e mais porque o panorama sombrio prenunciado por
Nietzsche, como já disse antes, soa tristemente atual. O próprio filósofo, caso
nascesse hoje em dia e quisesse fazer uma conta na rede, provavelmente não
faria muito sucesso. Seria só a versão virtual daqueles mendigos com placas do
apocalipse que fazem o folclore das nossas praças interioranas. Entretanto, ainda que quixotescas pelas contingências na nossa época, pelo menos
essas figuras do bem estão aí, compartilhando seu pensamento com aqueles que se
interessam, ambos (destinatário e remetente) dispondo de meios mais ágeis de
diálogo, graças a internet.
- foto extraída do blog http://namedidadosensivel.blogspot.com.br
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