sábado, 4 de maio de 2013

Nietzsche, profeta do Twitter?






Provavelmente, alguém já criou uma conta de twitter que reproduza aforismas de Nietzsche (não me darei ao luxo de procurar, prefiro arriscar essa hipótese quase que óbvia de que a conta existe). Seus trechos enxutos e polêmicos parecem ter sido feitas sob medida para a rede social de 140 caracteres.



Não que ele houvesse profetizado o limite de palavras, ou perseguisse qualquer estrutura reduzida, e muito menos que tenha sido um amante da síntese. Em seu livro Nietzsche como Obra de Arte, Rosa Dias discute como o estilo fragmentado do filósofo é menos uma vaidade de estilo, e mais uma afirmação de seus próprios conceitos já influenciando a própria forma do texto. Para ele, os tradicionais textos sistemáticos, com sua estrutura maciça e amarrada, engessam a reflexão livre, aprisionam os sentidos, e satisfazem apenas aos que cultuam o conhecimento acumulado.

Os amantes das palavras, que as saboreiam lentamente entre uma reflexão e outra, prefeririam a naturalidade e a força dos aforismas curtos. O caráter afirmativo e leve por trás de conceitos nietzschianos como "vontade de potência" já ficam claros na própria fragmentação do aforisma – na falta de continuidade, nos espaços em branco, tão caros à poesia e a música.

Em nosso século XXI, o pensamento de Nietzsche continuamente se revela atual, pungente, e sua mensagem ainda reverbera, dialoga profundamente com nosso contexto. Se levamos em consideração a lógica dos aforismas, isso ocorre não só no conteúdo, mas na forma (infelizmente, essa síntese ensaística favorece uma simplificação e uma deturpação do que é dito – e, nisso, o alemão é craque, visto que o nazismo foi um dos movimentos que mais se apropriou indevidamente de suas idéias).

Rosa Dias alerta, logo no início de seu texto, sobre como a escritura aforística "seduz os espíritos superficiais" (pág. 23), apesar do aspecto ainda mais complexo e aprofundado que tal escrita evoca. Um texto aforístico como o de Nietzsche costuma ser muito mais provocador que boa parte de ensaios sistemáticos e objetivos. Seus silêncios e vazios deixam lacunas que só podem ser preenchidas pelo leitor, favorecendo assim um rico aspecto interativo (outra característica bem afinada com nossa era virtual).

Os dois tipos de leitores que Nietzsche queria evitar ao escrever por aforismas são arquétipos bem reconhecíveis em nossas redes sociais contemporâneas. Rosa diz que, para o filósofo, "os piores leitores são, em primeiro lugar, aqueles 'que agem como soldados saqueadores: retiram alguma coisa de que podem necessitar, sujam e desarranjam o resto e difamam todo o conjunto', em segundo lugar, aqueles espíritos vulgares que tem um hábito repugnante de, na palavra mais profunda e mais rica, não ver senão a banalidade de sua própria opinião" (pág. 23). Qualquer semelhança com nossos feiciboquis não é só mera coincidência, mas é prova de que nosso senso comum sobre a civilidade de nossa sociedade é bem discutível.

Mas, diferente do bigodudo, me recuso a ser tão pessimista. Devemos nos lembrar que em meio aos BBBs e formadores de "xoxas doxas" que angariam tantos seguidores no twitter, encontramos diversas vozes ricas e estimulantes, que utilizam a limitação de espaço e a fragmentação da rede de modo positivo. Diversos poetas e comunicadores mais espertos já sacaram isso. Se eles não apresentam (ainda) uma lista de seguidores que ultrapasse os quatro dígitos, a culpa é menos da força de seus escritos, e mais porque o panorama sombrio prenunciado por Nietzsche, como já disse antes, soa tristemente atual. O próprio filósofo, caso nascesse hoje em dia e quisesse fazer uma conta na rede, provavelmente não faria muito sucesso. Seria só a versão virtual daqueles mendigos com placas do apocalipse que fazem o folclore das nossas praças interioranas. Entretanto, ainda que quixotescas pelas contingências na nossa época, pelo menos essas figuras do bem estão aí, compartilhando seu pensamento com aqueles que se interessam, ambos (destinatário e remetente) dispondo de meios mais ágeis de diálogo, graças a internet.

- foto extraída do blog http://namedidadosensivel.blogspot.com.br

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