Imagem por Diego (Paseo Común! - Flickr) |
No final de 2012, me convidaram para falar em uma
mesa redonda no Festival Música do Mundo (que acontece em Três Pontas – MG). O tema era a relação entre os Beatles e o Clube da Esquina. E eis que, em
determinado momento desse evento, estava eu a falar sobre a música Coração de
Estudante (de Milton Nascimento e Wagner Tiso), eleita como tema das Diretas Já
e da abertura democrática, e que representou a eleição de Tancredo Neves à
presid...
E aí, um homem me interrompe, da
platéia, dizendo algo que não consegui entender. Pedi a ele para repetir.
- Tancredo foi eleito por um
colegiado!
- Hmm. – respondi, curioso – e o que
eu disse?
- Que ele ganhou por eleições
diretas, populares.
- Certo. Entendi.
Apesar de tímido, sou tomado por uma
certa cara de pau as vezes, o que se revela positiva na hora de driblar o
constrangimento. Com a face mais lavada do mundo, retornei ao microfone e
disse:
- Bem, pessoal, voltando, agora
corrigindo minha fala, Tancredo Neves foi eleito por um colegiado, desculpem o
lapso, bla bla bla, e prossegui falando.
No final da fala de todos, o homem
subiu no palco e veio me pedir desculpas pela intervenção brusca. Eu disse a
ele que nada tinha que se desculpar, e que, na verdade, ele me impediu de
sustentar uma enorme besteira. Coisas assim me fazem pensar nos perigos de se
pesquisar sobre temas como os que eu trabalho academicamente. Mexer com o Clube
da Esquina envolve muitas armadilhas: é um movimento relativamente recente,
cujos principais integrantes estão vivos e ainda na ativa, e que nasceu em um
importante e contundente período histórico do Brasil. Período esse que eu não
vivi.
Pois é... quando o antológico album
"Clube da Esquina" completava dez anos de lançado, em 1982, eu era apenas
um pequeno ser cujo cotidiano se resumia a choro e leite materno. E a história,
para os que chegam depois, sempre acarreta em certa injustiça, pois temos que
dar conta do imenso presente e do ainda mais vertiginoso passado – tudo ao
mesmo tempo.
Me pego pensando que todos nós, sejamos leitores,
pesquisadores ou apreciadores, temos nossos "pecados" culturais;
nossas lacunas de um "saber" dito como essencial: Coisas tipo
"você nunca leu Joyce? Não acredito que sequer folheou um livro de Oscar
Wilde! Não sabe quem foi Coleridge?? Ohhhhhhhh". Por mais que sejamos (ou
acreditemos ser) cultos, carregamos umas tantas lacunas na nossa ficha corrida.
E o pior é que nem fazemos idéia de quantas faltas acumulamos nessa carteira.
Por exemplo: tenho plena consciência de que incorro no grave pecado de
nunca ter lido Dostoievski, mas só fui descobrir que Tancredo foi eleito por um
colegiado no pior momento: falando o contrário numa mesa pública!
Quanto mais jovens somos, mais
"pecados" de leitura carregamos implicitamente – em boa parte, pelo
simples fato de ainda não termos tido tempo de ler. E se tratamos de algo que
ainda reverbera na memória coletiva das gerações anteriores, é ainda pior.
Aumenta-se a chance de sermos "capturados" com a fala repleta de
atrocidades. O que fazer? Obviamente, deve-se ler, ler e ler. Muito. Apreender
conhecimento, ter algumas informações bem memorizadas, certos nomes e
datas-chave, etc. Mas sempre vai faltar a vivência.
Muitos escrevem e dissertam sobre a
contracultura e os anos 60 por vivência. Eu trato sobre o tema por leituras
históricas. Porém, tento ouvir seus ecos. São espíritos que ainda reverberam em
nosso tempo. No túnel da nossa cronologia coletiva, essas vozes ditas lá atrás
ainda podem ser ouvidas, ainda rebatem nas paredes do tempo. Meu esforço está
em afinar meus ouvidos, e distinguir o sentido impregnado nessas vibrações
ainda existentes.
E quando essas vozes começam a se
desintegrar no ar, tal qual uma fumaça cujas curvas e cinzas começam a se
misturar com o céu azul, enganando os olhos? Resta a observação de seus
rastros, das pistas que denunciam sua jornada. Vasculhar a lenha que gerou a
fumaça, ir atrás dos lábios e da saliva por trás do almejado som. Livros e
pessoas, entrevistas, fatos, dados combinados – um esforço sincrônico e
diacrônico.
Tolo seria eu se tratasse minha
pesquisa como um tótem inabalável. Me sinto no dever de ser o primeiro a
reconhecer o quão canhestro é meu trabalho; principalmente na desvantagem de
ter nascido anos depois do Clube e de suas principais canções. Contudo, há
vantagens: o distanciamento dos anos e das gerações, a perspectiva mais ampla da história, o maior número de fontes
paralelas de pesquisa para consultar, a possibilidade de enxergar
cronologicamente essa obra tão similar ao desenho das montanhas mineiras – cheia
de altos e baixos, mas emanando uma beleza que é perene. Tento traduzir tudo
isso no plano objetivo, da maneira que posso, com a dor e a delícia desse
específico ponto de vista. Quixotescamente prosseguindo!
(16mai2013)
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